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O presente artigo trata de importante decisão do Tribunal de Contas da União que firmou entendimento sobre a aplicação dos mecanismos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato (reajuste, repactuação e revisão) e a possibilidade de os contratos administrativos serem reequilibrados por conta da valorização da moeda estrangeira.
A relevância do acórdão 1431/2017-Plenário se dá diante de institutos cujo entendimento nem sempre ocorre de maneira uniforme e, em especial, por representar resposta à Consulta formulada por Ministro do Estado que, de acordo com o § 2° do art. 1° da Lei 8.443/92, tem caráter normativo e constitui prejulgamento de tese.
Valendo-se de analogia já utilizada em artigo desta página, o Tribunal ressaltou que a Constituição Federal garante o equilíbrio da equação econômico-financeira do contrato que pode ser imaginada como uma balança em que, de um lado, estão os compromissos assumidos pelo contratado e, de outro, o valor a ser pago pela Administração.
Em razão dessa proteção, quando algum dos lados da balança se altera, surge um desequilíbrio que pode ser resolvido de duas maneiras: por meio de um Reajustamento de preços ou através de Reequilíbrio econômico-financeiro.
O REAJUSTE é utilizado para remediar os efeitos da desvalorização da moeda e pode ocorrer por dois critérios:
– pela aplicação de índices previamente estabelecidos (IGPM ou INCC, p. ex.) ou,
– pela análise da variação dos custos na planilha de preços.
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A esse segundo critério é dado o nome de REPACTUAÇÃO que somente é possível para serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra (limpeza e vigilância, p. ex.).
É importante observar que as duas espécies de reajuste (reajuste por índices e a repactuação) somente podem ser utilizadas se houver previsão no edital e só podem ser concedidas após 1 (um) ano a contar da data da proposta ou do orçamento a que esta se referir.
Já a REVISÃO (Reequilíbrio econômico-financeiro ou recomposição), que é a segunda grande maneira de reequilibrar a equação econômico-financeira, tem fundamentos diferentes do reajuste e não depende de previsão no edital, podendo ser concedida a qualquer tempo ao longo do contrato.
Com o objetivo de esquematizar os diversos termos utilizados, os mecanismos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos podem ser assim apresentados:
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A Revisão (ou recomposição), de acordo com o art. 65, II, d, da Lei de Licitações, pode ser buscada quando ocorrerem fatos posteriores à contratação que: sejam imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis; que representem um caso fortuito ou de força maior (como uma greve que impeça a fabricação do produto ou até mesmo uma enchente) ou por conta de um fato do príncipe que ocorre quando, por exemplo, um novo imposto é criado.
Nesse sentido, surge a questão central respondida pelo TCU no acórdão 1431/2017-Plenário:
É possível recompor o equilíbrio financeiro de contratos em razão de variações cambiais?
Em outras palavras, questionou-se se a oscilação de valor da moeda estrangeira pode ser considerada fato apto a justificar a necessidade de recomposição dos contratos administrativos, com fundamento na teoria da imprevisão.
Além do art. art. 65, II, d, do Lei de Licitações, o Código Civil prevê a possibilidade de reequilibrar a relação contratual, desde que fundamentada em dois requisitos: a imprevisibilidade do fato gerador do reequilíbrio e a onerosidade excessiva para uma das partes.
No entanto, ao decidir sobre casos concretos, algumas decisões do TCU (v. g. acórdãos nº 3282/11-Plenário e nº 1568/15-Plenário) apontavam a não aplicação da teoria da imprevisão e da possibilidade de recomposição do equilíbrio contratual em razão de variações cambiais ocorridas devido a oscilações dos fatores de mercado.
Após analisar precedentes do STJ (REsp 1321614/SP) e do próprio TCU sobre o tema, a Corte de Contas afirmou que, nessas hipóteses, “havia peculiaridades subjacentes que tornaram o reequilíbrio indevido” e que “o cerne da discussão não deve estar na questão cambial, mas na variação de preços. Isso porque há situações em que a taxa de câmbio não influencia o custo dos produtos de maneira rápida”, p. ex., na hipótese em que o fornecedor já possui os produtos em estoque.
Apesar de parte da doutrina reconhecer que a variação cambial é causa para o reequilíbrio econômico financeiro, o TCU não a reconhece como fundamento autônomo e suficiente para impor a recomposição de preços. Assim,
a mera variação cambial, em regime de câmbio flutuante, não configura causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos. A variação diária dos índices não autoriza pleitos de recomposição de preços, dada a sua ampla previsibilidade. (Acórdãos 1085/15 e 2837/10-Plenário)
Portanto, na visão do TCU, não basta a variação da taxa cambial (para mais ou para menos) para, isoladamente, fundamentar a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. No entanto, isso não significa que a oscilação da moeda estrangeira não possa, de maneira absoluta, provocar a revisão dos contratos.
Afinal, em quais situações a variação do câmbio pode ser considerada um fato apto a ocasionar uma revisão nos contratos?
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A resposta do TCU, que possui caráter normativo, indica que “para que a que a variação do câmbio seja considerada um fato apto a ocasionar uma revisão nos contratos, ela deve ser imprevisível (não ser possível de previsão pelo gestor médio quando da vinculação contratual), súbita (fugir à normalidade, ou seja, à flutuação cambial típica do regime de câmbio flutuante) e, o mais importante, acarretar um considerável aumento nos custos do contratado a ponto de ocasionar um rompimento na equação econômico-financeira, nos termos previstos no art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993.
Dessa forma, para ensejar a recomposição dos preços contratados, a variação cambial:
– não deve ter sido possível de prever pelo gestor médio quando da vinculação contratual;
– deve ocorrer ter ocorrido de maneira súbita e anormal ao que verifica costumeiramente; e
– deve ter provocado elevação nos cursos que retarde ou impeça a execução do contrato
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Na prática, considerando que a Constituição Federal garante a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo e que a oscilação do valor da moeda estrangeira não representa causa autossuficiente, o gestor deverá incluir nos autos do processo as demonstrações acerca da:
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E se houver a previsão de reajuste? Ainda assim seria possível promover a recomposição (revisão de preços) após o reajustamento?
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Sim, de acordo com o TCU, “ainda que a Administração tenha aplicado o reajuste previsto no contrato, justifica-se a aplicação da recomposição sempre que se verificar a presença de seus pressupostos”.
Conforme já indicado, o REAJUSTE e a REVISÃO (recomposição) possuem objetivos diferentes. De um lado, o REAJUSTE visa a remediar os efeitos da inflação e a REVISÃO visa a restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato atingido por fato imprevisível ou previsível com consequências incalculáveis.
Por fim, vale indicar que o acórdão 1431/2017-Plenário determina que para a concessão de REAJUSTE após uma RECOMPOSIÇÃO de preços, “a Administração deverá ter o cuidado de avaliar a necessidade, ou não, da aplicação dos índices inicialmente avençados em virtude da possibilidade de a recomposição já ter procedido ao reajuste de determinados insumos”.
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