O novo Decreto do Pregão Eletrônico e seu maior legado

por Renato Fenili

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Reservo-me a prerrogativa de este texto ser mais pessoal do que os outros que costumo escrever. O intuito é conferir maior fluidez às ideias, para que possam bem refletir o que hoje vejo como o maior legado na confecção normativa no âmbito da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia (SEGES).

Ontem foi realizada a segunda audiência pública relativa à discussão da minuta do novo decreto do pregão eletrônico. Cerca de 150 presentes, transmissão ao vivo pelo Youtube, gravada e disponível neste link (que, neste momento em que escrevo, já conta com mais de 2.500 visualizações). Presentes, compradores públicos, assistentes jurídicos, auditores, representantes de entidades de classe e dos segundo e terceiro setor. Prevista para ocorrer entre 09h30 e 12h00, estendeu-se até às 14h00, de forma ininterrupta, como forma de colher mais colaborações.

Esse acontecimento representa apenas mais uma das etapas na confecção da minuta. No início do ano, foi realizada a primeira audiência, combinada com consulta pública via internet. Mais de 500 contribuições registradas, tratadas e analisadas pela equipe da SEGES. Seguiram-se reuniões com entidades de classe, e com representantes da sociedade civil. Servidores da SEGES (destaque para a minha amiga Andrea) mostraram-se mais propositivos nessa etapa da construção.

A  norma tomou outra dimensão: mais inovadora, disruptiva….e…. aí começou um problema. Comecei a gostar dela. Um pecado para quem faz norma é esse apego. Momento de se afastar e colocar a versão às críticas de especialistas.

E assim seguiu o script. Uma reunião com especialistas em compras públicas, com quatro horas de duração, dissecou a minuta, reconstruindo-a. Servidores do Senado Federal, CGU, TCU, TJDFT, Câmara dos Deputados, EPL, TSE, do próprio Ministério da Economia, PGFN, além de membros da ONU (UNOPS) e do Banco Mundial e doutrinadores de renome se debruçaram no texto, fazendo-o alcançar novos contornos.

Como se suficiente não fosse, a versão foi enviada a profissionais de compras de diversas localidades do Brasil, que fizeram suas análises. Lição de casa feita, contribuições absorvidas. Crivo do Secretário de Gestão – um profundo conhecedor da matéria. Momento de se chegar a essa segunda audiência.

Hoje a minuta conta com nada menos do que 27 (!!) inovações, muito bem explanadas neste artigo. Bem avaliada pela grande maioria do público. Alcança uma espécie de unanimidade (existe isso?) acerca da sua contundente evolução. Será, ainda, aprimorada em face dos frutos da audiência de ontem. Ótimo. Parabéns a todos. Um presente à logística pública, seria essa a alegoria. Mas, seguramente, vislumbro não ser esse o legado a ser deixado.

Em algum tempo, a nova norma será revogada. A sociedade se transforma, os conceitos, as práticas. No futuro, outro decreto será lançado, talvez (assim esperamos) ainda melhor do que o que ora se desenha. “Nenhuma norma é perfeita”, costumo dizer. Não obstante, e essa é a minha satisfação maior, o processo de construção do decreto aproxima-se da perfeição.

Não digo perfeição técnica. Legística. Formal, material ou objetiva. Digo perfeição colegiada, contributiva e participativa. Transparente. Nascida no âmago dos princípios republicanos e democráticos, com aspectos temporais próprios. Respeitando-se o interregno de maturação. Aberto ao debate, ao diálogo, com respeito às opiniões que se confrontam. Inovação no rito de construção que sobrepuja qualquer inovação normativa vislumbrada.

A mim, me apraz o conceito subjacente aos laboratórios de inovação em políticas públicas. Espaços de inovatividade que discutem soluções inéditas, passíveis de agregar valor à governança, a maximizar a relação de agência ao cidadão. Em ótica pessoal, é assim que vejo o modo sistêmico de construção normativa que ora trilhamos: um grande laboratório de inovação, com fronteiras flexíveis e de conversa franca com seus membros – a sociedade, que propõem caminhos para o progresso das contratações públicas. Uma audiência pública pode sim assumir a forma de um grande brainstorming, como fonte inestimável de geração de insumos para a prototipação de uma norma. É o que aconteceu ontem.

Meu esforço mental é desapegar-me, em dias – confesso que hoje não consigo -, desse amor ao processo de construção. Repensá-lo e, talvez, aprimorá-lo ainda mais. Torná-lo benchmark ao processo legislativo do Poder Executivo, no âmbito da SEGES. E que consigamos, neste ano ainda, traçar caminho ainda mais dialogado na reconstrução do Decreto do Sistema de Registro de Preços!!

No mais a mais, e correndo o risco de me estender um pouco mais do que devia, começo a depreender um movimento, ainda tênue, de maior união dos compradores públicos, motivado, talvez, por essa abertura ao diálogo na conformação normativa. A realidade não está sendo mais dada como posta, mas sim como passível de edificação coletiva. Vamos em frente.

Renato Fenili

Secretário Adjunto da Seges/Ministério da Economia. Ex-Diretor da Central de Compras da Câmara dos Deputados. Mestre e Doutor em Administração pela Universidade de Brasília – UNB. Ex-oficial da Marinha do Brasil.

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