GESTÃO E FISCALIZAÇÃO CONTRATUAL NA NLLC: O PROCESSO SANCIONADOR DE CONTRATADOS COMO FERRAMENTA DE PLANEJAMENTO DAS COMPRAS PÚBLICAS?
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GESTÃO E FISCALIZAÇÃO CONTRATUAL NA NLLC: O PROCESSO SANCIONADOR DE CONTRATADOS COMO FERRAMENTA DE PLANEJAMENTO DAS COMPRAS PÚBLICAS?.
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Introdução
O desenvolvimento das atividades precípuas da Administração Estadual exige a colaboração de terceiros, e nesse sentido a gestão e a fiscalização dos contratos administrativos constituem fator primordial para o alcance dos melhores resultados na contratação e, consequentemente, na eficiente e econômica busca do interesse público.
Esses terceiros colaboradores são os gestores e fiscais de contratos administrativos, que devem ter conhecimento detalhado e constantemente aprimorado em relação às normas e procedimentos que regulam as licitações e contratações, bem como ter clareza sobre suas responsabilidades e competências.
A Lei nº 14.133/2021 – Nova Lei de Licitações e Contratos – NLLC – trata do tema em diversos dispositivos, impõem responsabilidades a controladoria interna e assessoria jurídica no sentido de orientar fiscais de contrato, bem como destaca a necessidade dos órgãos e entidades regulamentarem as atribuições de gestores e fiscais de contratos, modelos padronizados e procedimentos que envolvem a gestão contratual.
O presente texto tem por objetivo trazer considerações sobre a gestão de contratos na NLLC, o papel do gestor e fiscal de contrato no processo administrativo sancionador de contratados e a necessidade de regulamentação do procedimento de gestão contratual.
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- A gestão de contratos na NLLC
A gestão e fiscalização dos contratos é um tema importante e que por muito tempo vem sendo deixada de lado por gestores públicos. Ainda que não seja tema amplamente regulamentado pela então Lei nº 8.666/1993, os Tribunais de Contas[1] acabam por apontar diversas situações a serem enfrentadas e corrigidas pelos órgãos e entidades da Administração Pública, em razão de falhas nos procedimentos de gestão e fiscalização.
Com a vigência da NLLC o tema volta a debate na doutrina e possui diversos dispositivos que acabam por dar maior segurança aos gestores e fiscais de contratos e auxiliam no entendimento do papel dessas importantes figuras para com o sucesso das compras públicas.
Já no artigo 6º da NLLC, que trata da parte conceitual da Lei, a caracterização do “termo de referência” destaca que se trata de documento necessário para a contratação de bens e serviços e que deve conter parâmetros e elementos descritivos quanto ao modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade (art. 6, inc. XXIII, alínea “f”), assim como o conceito de projeto básico (art. 6º, inc. XXV, alínea “e”) que define que o documento deverá ter subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendidos a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso.
Ainda, no que se refere a fase de planejamento da contratação, a Nova Lei define que ainda no estudo técnico preliminar (art. 18, §1º, inc. X) deverá restar demostrada as providências a serem adotadas pela Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual. O art. 25 destaca que também o edital deverá conter as regras relativas à fiscalização e gestão contratual.
Abre espaço a NLLC para que seja objeto de execução por terceiros as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituam área de competência legal do órgão ou da entidade, entretanto, durante a vigência do contrato, é vedado ao contratado contratar cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, de dirigente do órgão ou entidade contratante ou de agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação.
Por conseguinte, rege que é inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de contratação dos serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, para a fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços.
A fiscalização contratual é cláusula exorbitante e, portanto, prerrogativa da Administração, prevista no art. 104, inc. III da Lei, assim como a prerrogativa de aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste (inc. IV).
Entrando na execução contratual em si, a partir da análise do Capítulo VI, o caput do art. 117 traz regra idêntica à já prevista no art. 67 da Lei nº 8.666/1993, adicionando a norma a possibilidade de designar mais de um fiscal do contrato. Os parágrafos do artigo já trazem regras específicas do procedimento de fiscalização, norteando gestores e facilitando a regulamentação no âmbito dos órgãos e entidades da Administração. E são elas:
1. necessidade de anotação, pelo fiscal, em registro próprio, todas as ocorrências relacionadas à execução do contrato, determinando o que for necessário para a regularização das faltas ou dos defeitos observados;
2. prestação de informações, pelo fiscal do contrato, a seus superiores, em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes, sobre a situação que demandar decisão ou providência que ultrapasse sua competência;
3. auxílio do fiscal, pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração, para dirimir dúvidas e subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual[2];
Já no caso da contratação de terceiros prevista no caput do art. 117, deverão ser observados os seguintes requisitos:
a) a empresa ou o profissional contratado assumirá responsabilidade civil objetiva pela veracidade e pela precisão das informações prestadas, firmará termo de compromisso de confidencialidade e não poderá exercer atribuição própria e exclusiva de fiscal de contrato;
b) a contratação de terceiros não eximirá de responsabilidade o fiscal do contrato, nos limites das informações recebidas do terceiro contratado.
Os artigos 120 e 121 tratam de algumas das responsabilidades, de forma ampla, do contratado e da contratante. Pois bem, o contratado tem suas responsabilidades para com os danos causados à Administração ou a terceiros em razão da contratação, não tendo eximida sua responsabilidade o fato de existir fiscalização contratual pela Administração. E, será também responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato, a exceção das contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, onde a Administração responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.
Conforme §3º do art. 122 no caso do contratado subcontratar partes da obra, do serviço ou do fornecimento até o limite autorizado, pela Administração deverá observar a vedação da subcontratação de pessoa física ou jurídica, se aquela ou os dirigentes desta mantiverem vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou se deles forem cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral, ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação.
A importância do papel da fiscalização contratual fica refletida nos efeitos que ela pode gerar, a exemplo da previsão do art. 137, que destaca que o desatendimento das determinações emitidas pela autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a execução contratual constitui motivo para extinção do contrato, motivadamente, garantidos o contraditório e ampla defesa.
Por consequência, também há destaque para o papel da fiscalização no recebimento do objeto contratual, normatizando que no caso de obras e serviços será recebido, provisoriamente, pelo responsável por seu acompanhamento e fiscalização, mediante termo detalhado, quando verificado o cumprimento das exigências de caráter técnico e, no caso de compras, será recebido, provisoriamente, de forma sumária, pelo responsável por seu acompanhamento e fiscalização, com verificação posterior da conformidade do material com as exigências contratuais.
- O processo sancionador de contratados na NLLC
A disciplina das infrações e sanções administrativas evoluiu muito na NLLC, passando para a previsão expressa, em norma geral, de regras e procedimentos a serem cumpridos no processo administrativo de aplicação de penalidades a licitantes e contratados.
O tema é normatizado no Título IV – Das Irregularidades, em capítulo específico chamado “Das Infrações e Sanções Administrativas”. São 9 (nove) artigos que tratam da matéria (do artigo 155 ao artigo 163), contra apenas 1 (um) normativo na Lei nº 8.666/1993 (artigo 87), 1 (um) na Lei nº 10.520/2020 (artigo 7º) e 1 (um) na Lei nº 12.462/2011 (artigo 47).
Tal evolução é fundamental para a ascensão dos preceitos do direito administrativo sancionador, que está em processo de evolução em suas considerações doutrinárias e jurisprudenciais. Conforme destaca o autor Ronny Charles[3] o direito administrativo sancionador de licitantes e contratados vem evoluindo aos longos dos anos. Desde a legislação e jurisprudência até a doutrina. Se identificarmos as previsões ainda da Lei nº 8.666/1993, percebemos uma referência de análise de condutas irregulares apenas na parte da contratação. Já na Lei nº 10.520/2002 avançou-se no sentido de trazer a descrição das infrações e não só na seara da relação contratual, mas também da fase do procedimento licitatório. Contudo, a NLLC absorveu o melhor dos diplomas em referência.[4]
Conforme demonstrado, ainda que a nova legislação traga mais consistência nas previsões normativas, incorporando regras e novos institutos, ela acabou por absorver o que a jurisprudência já vinha decidindo, integrando normas de procedimento, normatizando a desconsideração da personalidade jurídica[5], indicando a amplitude das sanções restritivas de licitar e contratar, entre outros.
Especificamente sobre os artigos da lei, um dos avanços mais importantes foi a descrição das infrações administrativas no art. 155 e a sua correlação com as sanções previstas no art. 156. Ou seja, os parágrafos 2º, 3º, 4º e 5º do art. 156 trazem uma especial singularidade no sentido de vincular a infração ao tipo de sanção a se aplicar. Expressamente conecta a infração com a sanção a ser passível de aplicação, facilitando a atuação da gestão no sentido de identificar preliminarmente a sanção passível de ser aplicada. Exemplo: no caso da advertência (sanção prevista no inc. I do caput do art. 156), apenas resta vinculada a uma infração, qual seja: relativa à conduta do inc. I do art. 155 – dar causa à inexecução parcial do contrato, que trata especificamente de infração passível de ser cometida no âmbito da contratação.
Por conseguinte, a norma não associa a sanção de multa a nenhum tipo de infração, destacando que poderá ser aplicada a todas as infrações do art. 155, de forma cumulativa com as demais previstas (nos termos do § 7º do art. 156), regra já vigente na Lei nº 8.666/1993.
E quais sanções são previstas na NLLC? A lei manteve a advertência, a multa, o impedimento de licitar e contratar e a declaração de inidoneidade. Excluiu a sanção de suspensão. Alterou também os prazos das sanções restritivas de licitar e contratar e firmou o entendimento sobre a amplitude de cada uma delas. Enquanto o § 4º do art. 156 rege a sanção de impedimento e proíbe o infrator de licitar e contratar com toda a administração pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, pelo prazo máximo de 3 (três) anos, o § 5º normatiza que a sanção de declaração de inidoneidade impedirá o responsável de licitar e contratar no âmbito da administração pública direta e indireta de todos os entes federativos, pelo prazo mínimo de 3 (três) anos e máximo de 6 (seis) anos (sanção mais grave da norma).
E quais infrações são passíveis de ocorrência no contrato?
Se analisarmos o art. 155, que destaca as infrações, verificamos que em sua maioria são aplicáveis ao contrato, à exceção daquelas que falam sobre ocorrência na licitação ou no processo licitatório. Ou seja, em maioria são ocorrências que vão ser observadas pelo fiscal de contrato durante a execução de suas atividades, seja de controle do objeto ou do serviço prestado, seja na análise de documentos regulares a serem apresentados mensalmente, entre outros.
Sobre regras específicas de procedimento o art. 158 destaca: a necessidade de instauração de processo de responsabilização; de constituição de comissão formada por no mínimo 2 servidores estáveis em caso de órgão composto por servidores estatutários ou, no caso de órgão não composto por servidores estatutários, formada de 2 (dois) ou mais empregados públicos pertencentes aos seus quadros permanentes, preferencialmente com, no mínimo, 3 (três) anos de tempo de serviço no órgão ou entidade; de providências de intimação para manifestação do licitante ou contratado em 15 dias úteis; da oportunidade de solicitação do licitante ou contratado para produzir provas; bem como, do deferimento do pedido de produção de provas ou com provas juntadas pela comissão, proporcionar ao interessado a apresentação de alegações finais no prazo de 15 (quinze) dias úteis. Ressalta-se, nesse ponto, que a exigência de comissão para apuração é apenas referida para os casos de infrações passíveis de sanções de impedimento e de declaração de inidoneidade, ficando o caso de infração passível de advertência eximida de constituição de comissão para aplicação, possibilitando processamento mais célere (e considerando que a sanção de multa virá vinculada a outra sanção, por força do art. 156, § 7º).
Outra novidade sobrevém da normatização da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito administrativo sancionador. Por força do art. 160, a personalidade jurídica poderá ser desconsiderada no caso desta ser utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, estendendo todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, a pessoa jurídica sucessora ou a empresa do mesmo ramo com relação de coligação ou controle, de fato ou de direito, com o sancionado.
Especial destaque se faz, ainda, em relação a previsão da necessidade de análise de determinados procedimentos pelas assessorias jurídicas, uma segurança maior aos procedimentos da NLCC como um todo, vez que ampliou o controle de legalidade do órgão jurídico. Entre eles: o constante do § 6º do art. 156, que obriga, no caso de aplicação da sanção de inidoneidade, a precedida análise jurídica; o constante do art. 160, que exige análise jurídica prévia à decisão de desconsideração da personalidade jurídica; e, o procedimento do art. 163 (reabilitação do licitante ou contratado) que obriga a análise jurídica prévia, com posicionamento conclusivo, sobre o cumprimento dos requisitos de reabilitação previstos no ato sancionador.
O § 4º do art. 158 regulamenta a prescrição, que ocorrerá em 5 anos, contados da ciência da infração pela Administração. Será interrompida pela instauração do processo de responsabilização a que se refere o caput deste artigo, suspensa pela celebração de acordo de leniência previsto na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 ou por decisão judicial que inviabilize a conclusão da apuração administrativa. Referida normatização nada mais destaca que o poder-dever do gestor público para, no prazo de até 5 anos, instaurar processo de responsabilização de licitante ou contratado.
Regras de publicidade das sanções estão no art. 161, que obriga órgãos e entidades incluírem as sanções por eles aplicadas, no prazo máximo de 15 dias úteis, nos portais informativos: Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis) e Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep), instituídos no âmbito do Poder Executivo Federal. Entretanto, o § único do referido artigo fala da necessidade de regulamentação, pelo poder executivo respectivo, da forma de cômputo e as consequências da soma de diversas sanções aplicadas a uma mesma empresa e derivadas de contratos distintos.
O art. 162 trata da multa de mora em caso de atraso injustificado da execução, frisando que poderá ser esta convertida em compensatória.
O art. 163 é o último do capítulo “das infrações e sanções” e traz novos requisitos em relação a reabilitação, antes pouco tratada na Lei nº 8.666/1993. Fala da necessidade de observância de exigências cumulativas, sendo a especial delas o transcurso de prazo mínimo de 1 ano da sanção de impedimento e de 3 anos no caso da sanção de inidoneidade. Portanto, a reabilitação se mostra possível tanto para o caso da imposição da sanção de impedimento como para a sanção de inidoneidade, desde que se tenha cumprido, entre outros, com os prazos mínimos de sanção estipulados na norma. Por conseguinte, é obrigatória a análise jurídica prévia, com posicionamento conclusivo sobre o cumprimento dos requisitos de reabilitação, a reparação integral do dano causado, o pagamento da multa aplicada e o cumprimento de demais condições previstas no ato punitivo (destaque especial para a obrigatoriedade de se prever no ato punitivo as condições de reabilitação).
Em resumo, quais seriam as fases do processo de aplicação de penalidades para o contratado?
1ª Ocorrência de infração contratual;
2ª Ciência da administração da infração (fiscal ou gestor do contrato) formalizada nos autos;
3º Envio a comissão processante ou ao responsável pela análise (no caso de se tratar da aplicação de sanção de advertência, que não exige comissão);
4ª Notificação da contratada para apresentar defesa prévia;
5ª Produção de provas (se for o caso);
6º Relatório com exposição dos fatos, do direito e da sugestão de julgamento pela autoridade superior competente;
7º Julgamento;
8ª Notificação do julgamento;
9ª Recurso ou pedido de reconsideração;
10º Julgamento pela instância superior ou reconsideração da decisão da autoridade;
11ª Notificação da decisão final;
12ª Publicação do ato sancionador no Diário Oficial (se for o caso previsto em regulamento), prevendo as condições de reabilitação, se for o caso;
13º Registro da penalidade nos cadastros respectivos.
E qual seria o papel da fiscalização contratual nesse procedimento? No capítulo a seguir iremos analisar.
- O papel do gestor e fiscal de contrato no processo sancionador de contratados
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Preliminarmente importante conceituar gestor e fiscal de contrato. Gestor de contrato[6] é o agente público responsável pela gestão contratual, ou seja, aquele que responde pelos atos formais de contratação, pelo planejamento da licitação e/ou pela ordenação da despesa relativa ao contrato (quando cumular a função de ordenador de despesas). Ademais, o gestor de contrato tem a responsabilidade de supervisionar a execução contratual no que tange ao acompanhamento físico-financeiro, dos prazos, da adequação dos procedimentos de fiscalização, bem como zelar pelos atos necessários ao fiel cumprimento do pactuado.
Já o fiscal de contrato[7] é aquele servidor que detém conhecimento técnico da matéria, indicado pela área demandante (unidade organizacional) dos serviços ou produto e designado formalmente pelo titular do órgão ou entidade para ser encarregado do acompanhamento, da fiscalização, do ateste das faturas ou notas fiscais e pela conferência dos produtos ou serviços prestados pela contratada durante a vigência do contrato e das obrigações residuais futuras.
Divide-se em fiscal técnico e fiscal administrativo. O fiscal administrativo é, geralmente, o servidor designado para acompanhar os aspectos administrativos do contrato, tais como: prazos, prorrogações etc. Por conseguinte, o fiscal técnico é aquele é o servidor formalmente designado para acompanhar a execução do objeto que tenha sido contratado, avaliando se a quantidade e qualidade estão de acordo com o que foi definido no contrato.
Considerando o conceito das figuras responsáveis pela gestão contratual, assim como as previsões da Lei nº 14.133/2021 em relação a fiscalização contratual e as infrações e sanções administrativas, trazemos para abordagem o papel do gestor e do fiscal de contrato no processo administrativo sancionador.
Primeiro que o destaque na pauta se inicia a partir da avaliação das infrações previstas no art. 155 que refletem no contrato. Segundo, da análise das atividades da fiscalização contratual previstas no capítulo 1 desse artigo e vistas a partir da definição conceitual das figuras partícipes da relação contratual. E, por último, o reflexo dos dois pontos acima com o papel do gestor e do fiscal de contrato.
Sobre esse último ponto destaco: é um papel muito importante, vez que a fiscalização contratual são os olhos do gestor público na execução contratual. Tanto é que são designados por ato formal da autoridade superior, que lhe passou a confiança (claro, sem entrar aqui no mérito da necessidade de capacitação, entre outros) de acompanhar um contrato por ele assinado.
No acompanhamento da execução do serviço ou entrega do objeto poderá o fiscal verificar valhas na execução conforme contrato, atrasos na execução, falta de documentos e/ou demais situações que caracterizem inexecução contratual. Todas as situações deverão estar registradas, através de relatórios que constem de processo administrativo específico de acompanhamento do contrato. Nesse sentido, deverá ser dado vistas da situação ao gestor do contrato ou autoridade superior definida em regulamento.
Regulamento? Sim, a gestão contratual, as atividades de fiscalização, bem como modelos de atos e de acompanhamento da execução devem estar previstos em norma do órgão ou unidade administrativa, com o objetivo de organizar tais atividades, dar maior segurança jurídica aos que acompanham essa fase e certeza quanto aos procedimentos.
Com a ciência do gestor sobre possível falha na execução ou ocorrência de infração, mais de um caminho pode ser definido em regulamento, vejamos:
1. Primeiro é um retorno a fiscalização do contrato solicitando notificação preliminar do contratado para apresentar esclarecimentos sobre os fatos e reestabelecer as condições de plena execução, estabelecendo prazo para tanto, sem adentrar especificamente nas condições de aplicação de penalidades, mas sim pensando na gestão contratual e necessidade de manutenção do contrato;
2. Segundo, é já encaminhar a comissão processante, que pode ser instaurada para cada fato ou a depender do órgão, já enviar a comissão processante permanente (o mais indicado, já que nesse sentido poder-se-á ter uma comissão especializada para tanto), que analisará os fatos e notificará o contratado da instauração de processo de aplicação de penalidades, para apresentar defesa e solicitar produção de provas, se for o caso.
Das duas situações possíveis, o papel da fiscalização permanece ativo, seja para: 1. acompanhar o retorno do contratado e tomar as providências cabíveis; 2. analisar preliminarmente e indicar a possível extinção do contrato ao gestor; 3. indicar possíveis soluções para a continuidade da execução (se possível) ou para nova contratação, a depender da necessidade imediata do objeto ou serviço.
Importante destacar que a comissão processante e a fiscalização contratual possuem papéis distintos, o que não impede que as mesmas pessoas cumpram com os dois papéis. Mas a solução sobre a gestão contratual não há de ser dada por quem cumpre o papel de comissão processante.
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- O processo sancionador como ferramenta de planejamento das contratações
Conforme demonstrado nos capítulos anteriores, afirmando o poder-dever do gestor em apurar a responsabilidade[8] de licitantes e contratados e o papel da fiscalização contratual é importante destacar que o processo sancionador possui diversas nuances que podem auxiliar na melhoria da fiscalização contratual e consequentemente apontar para adequações no planejamento das novas contratações. Ou seja, não tenha medo dele, é um procedimento necessário para excluir fornecedores sem capacidade para com a Administração e para avaliar procedimentos da gestão que não estão adequados a real obtenção da eficiência da compra pública.
O papel da comissão ou do servidor processante não se finda na avaliação da instrução do processo de aplicação de penalidades, que com os documentos juntados, diligências realizadas, produção de provas, entre outros, poderá (re)avaliar condições de contratação e, inclusive, falhas da própria Administração. E dessa avaliação emitir relatório com sugestão de melhorias. Ou seja, quando identificada falhas ou possibilidade de melhorias para com a própria Administração, estas deverão ser apresentadas.
Os pontos que devem ser levantados podem ter relação com, por exemplo: prazos exíguos de entrega ou execução de etapas, documentação exigida para além das comprovações necessárias para uma eficiente execução contratual, necessidade de regulamentação ou adequação do processo de fiscalização contratual, treinamento da equipe de fiscalização e/ou revisão de mapa de riscos destacando as situações de inexecução contratual e medidas para minimizar as ocorrências.
Dessa avaliação, a Administração deverá tomar as medidas para minimizar os riscos de inexecução de seus contratos destacando e solucionando os pontos no estudo técnico preliminar da próxima contratação.
Então? Já coloque isso no regulamento do processo de aplicação de sanções e crie um fluxo de avaliação desses relatos, para que eles façam parte dos planejamentos futuros.
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Conclusão
Como sabemos, a atividade de gestão e fiscalização contratual deverá ser exercida pelo contratante público, objetivando, sempre, o cumprimento dos princípios da Administração Pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Portanto, realizar a gestão e a fiscalização contratual não envolve apenas o aspecto da legalidade, isto é, se as ações estão de acordo com a lei e os regulamentos pertinentes. Envolve também as dimensões de impessoalidade, moralidade, eficiência, eficácia e publicidade, ou seja, implica verificar se estão sendo produzidos os resultados esperados, a um custo razoável, se as metas e objetivos estão sendo alcançados e se os usuários estão satisfeitos com os produtos entregues ou serviços que lhes são prestados.
Além disso, a gestão dos contratos administrativos está intimamente ligada ao cumprimento e observância do interesse público, uma vez que toda execução contratual necessita de planejamento e controle, devendo a Administração Pública zelar pelo alcance da finalidade pública.
Por fim, em busca do melhor interesse público, cabe à autoridade superior de cada órgão providenciar a organização e a execução de treinamento para os gestores e fiscais de contratos, municiando-os com os instrumentos necessários para a execução dessas atividades, além de regulamentar os procedimentos de gestão e fiscalização dos contratos e de aplicação e penalidades aos contratados.
Referências
FURTADO. Madeline Rocha. Os contratos: O ETP, e gestão e a fiscalização dos contratos na lei nº 14.133/2021 – a nova Lei de Licitações: o que vem por aí? Disponível em https://www.novaleilicitacao.com.br/2021/04/16/os-contratos-o-etp-a-gestao-e-a-fiscalizacao-dos-contratos-na-lei-14-133-2021-a-nova-lei-de-licitacoes-o-que-vem-por-ai/
_______________________. Os contratos: O ETP, e gestão e a fiscalização dos contratos na lei nº 14.133/2021 – a nova Lei de Licitações: o que vem por aí? Parte 2. Disponível em https://www.novaleilicitacao.com.br/2021/05/06/o-etp-a-gestao-e-a-fiscalizacao-dos-contratos-na-lei-14-133-2021-a-nova-lei-de-licitacoes-o-que-vem-por-ai-parte-2/
TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed.rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021.
NOTAS
[1] A fiscalização de contratos regidos pela Lei 8.666/1993 é prerrogativa legal (art. 58, inciso III, e art. 67, da Lei 8.666/1993), relevante e indispensável à boa gestão dos órgãos e entidades públicas, valoriza o gasto público e contribui para a eficiência e efetividades de ações governamentais, e que a negligência de fiscais de contrato designados pela Administração atrai para si a responsabilidade por eventuais danos que poderiam ser evitados, assim não exime o gestor que designa pessoa inapta a exercer tal encargo ou não supervisiona aquele que procede de maneira omissa ou improba. (Tribunal de Contas da União – Acórdão 9240/2016 – 2ª Câmara).
[2] “O §3º do art. 117 traz importante regra, o definir que o fiscal de contrato será auxiliado pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração, que deverão dirimir dúvidas e subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual. Convém realizar a conexão desse dispositivo com o §3º do artigo 8º e com o artigo 10 desta Lei. O apoio pelo órgão de assessoramento jurídico deve envolver também a defesa das ações realizadas de acordo com a orientação jurídica, ressalvada as hipóteses previstas no §1º do artigo 10, como na situação em que provas da prática de atos ilícitos dolosos constarem nos autos do processo administrativo ou judicial. (Torres, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed.rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. Fl.609.)
[3] Torres, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed.rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. Fl.754/755.
[4] “A Lei nº 14.133/2021 absorveu características interessantes de ambos os diplomas, estabelecendo um regime jurídico sancionatório que mescla dos dois anteriores e apresenta ainda alguns avanços.” (Torres, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed.rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. Fl.755)
[5] Situação essa já pacífica na jurisprudência do TCU, vejamos: “O abuso da personalidade jurídica evidenciado a partir de fatos como (i) a completa identidade dos sócios-proprietários de empresa sucedida e sucessora, (ii) a atuação no mesmo ramo de atividades e (iii) a transferência integral do acervo técnico e humano de empresa sucedida para a sucessora permitem a desconsideração da personalidade jurídica desta última para estender a ela os efeitos da declaração de inidoneidade aplicada à primeira, já que evidenciado o propósito de dar continuidade às atividades da empresa inidônea, sob nova denominação”. (Acórdão 1831/2014-Plenário, TC 022.685/2013-8, relator Ministro José Múcio Monteiro, 9.7.2014)
[6] Conforme o professor Ronny Charles, “o “gestor do contrato” coordena e comanda a execução contratual, representando a Administração na tomada de decisões; salvo delegação específica, ele que decidirá sobre a abertura de processo sancionatório, sobre a prorrogação contratual, sobre a necessidade de alteração contratual, entre outros”. (Torres, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed.rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. Fl.604.)
[7] E Segue o professor, “o fiscal de contrato auxilia o gestor, acompanhando a execução de maneira mais próxima ao contratado. Ele não detém poder decisório, contudo é o responsável pela apuração, instrução e acompanhamento da execução contratual (correção da execução do contrato, regularidade da documentação juntada, entre outros), podendo iniciar e opinar em processos decisórios, como o de sancionamento, para tomada de decisão pelo gestor ou outra autoridade competente.” (Torres, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed.rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. Fl.604.)
[8] “(…) 1070.1 oriente os gestores das áreas responsáveis por conduzir licitações para que autuem processo administrativo visando aferir a responsabilização das empresas que praticarem ato ilegal tipificado no art. 7º da Lei 10.520/2002 (peça 252, p. 59, § 298.1), considerando, também, como tal, o pedido de desistência, que equivale à não manutenção da proposta, e a declaração falsa relativa ao cumprimento dos requisitos de habilitação e proposta, a qual considera-se comportamento inidôneo;
1070.2 alerte os gestores das áreas responsáveis por conduzir licitações que a não autuação sem justificativa dos processos administrativos referidos no subparágrafo 1070.1 poderá ensejar a aplicação de sanções a seus gestores, conforme previsão da Lei 6.880/1980, art. 28, inciso IV c/c Lei 10.520/2002, art. 9º e Lei 8.666/1993, art. 82 (peça 252, p. 59, § 298.1);
(…) 51. Destaco apenas que a instauração de procedimento administrativo para aplicação das sanções previstas no art. 7º da Lei 10.520/2002 não se deve dar automaticamente, ou seja, todas as vezes em que ocorrer uma das condutas ali previstas. Tal prática poderia comprometer seriamente a atuação administrativa das unidades jurisdicionadas, em razão do provável grande volume de processos a gerir.
52. Considero apropriado, portanto, orientar as unidades para que instaurem tais procedimentos sempre que as licitantes incorrerem injustificadamente nas práticas previstas na aludida norma. Será evitada, assim, a autuação de processos nos casos em que, desde o início, já é conhecida pela Administração justificativa plausível para o suposto comportamento condenável. (…)”(Acórdão 754/2015-PlenárioTC 015.239/2012-8, relatora Ministra Ana Arraes, 08.04.2015)
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Referência bibliográfica deste texto:
MAFISSONI, Viviane. Gestão e fiscalização contratual na NLLC: o processo sancionador de contratados como ferramenta de planejamento das compras públicas? 2022. Disponível em https://www.olicitante.com.br/gestao-fiscalizacao-contratual-nllc-processo-sancionador/ .